É com muita alegria que iniciamos na Universidade Federal Fluminense, o Projeto de Extensão e Pesquisa Pirandello Contemporâneo 2013.

O projeto se vincula ao Laboratório de Criação e Investigação da Cena Contemporânea (LCICC), coordenado pela Profa. Dra. Martha Ribeiro, junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Contemporâneos das Artes.

Como pesquisadora, venho há mais de 10 anos me debruçando em sua vasta obra, seja ela dramatúrgica, teórica, literária, epistolar, ou cênica. Esse projeto, hoje desenvolvido na UFF, Departamento de Arte, tem sua origem no Pós-Doutorado realizado na UNICAMP e na Università di Torino, durante os anos de 2008 e 2009, com bolsa FAPESP.

Luigi Pirandello (1867-1936)

Foto: Badodi

Luigi Pirandello é um autor com muitos “segredos”. Embora conhecido e aclamado, Prêmio Nobel em 34, ainda é muito pouco conhecido em sua profundidade no Brasil, especialmente no que se refere ao último período de sua produção artística; fase em que esteve ao lado de Marta Abba (1900-1988), atriz brilhante e musa inspiradora de quase toda sua dramaturgia pós 24.

O estudo desse encontro – Pirandello, Abba – pode ser consultado no livro “Luigi Pirandello: um teatro para Marta Abba”, que publiquei em 2010 pela Editora Perspectiva. Pirandello conheceu Marta no mesmo ano em que “assumiu” seu amor pelo teatro, em 1924. Foram duas paixões em sua vida, o teatro e Marta; dois encontros tardios que proporcionaram os melhores anos de sua vida, e também os mais turbulentos (e não é sempre assim?).

Pirandello dirigiu o Teatro de Arte de Roma, encenando várias de suas peças, inclusive a emblemática “Seis personagens à procura do autor”, com Marta Abba no papel da Enteada, declarando inúmeras vezes que Marta era a encarnação viva de suas personagens, a “filha de sua arte”. Sua paixão pelo teatro lhe rendeu muitas dívidas, muitos desafetos, muita incompreensão por parte do público e da crítica da época, mas que sem dúvida nenhuma lhe devolveu a “vida”.

O Projeto

Pirandello Contemporâneo fará sua Residência Artística no Solar do Jambeiro, em Niterói, por nove meses. Trata-se de um mergulho em sua obra teatral, mas não pelo viés literário ou pela leitura de mesa, mas a partir do entendimento da cena, dos “fantasmas” que o autor deixou escapar nas entrelinhas de seu pensamento, a partir da admiração que sentia por alguns atores de sua época. Pirandello ao compor seus personagens sempre teve em mente as características artísticas de um determinado ator: Angelo Musco; Eleonora Duse, Ruggero Ruggeri, Eduardo De Filippo, e mais febrilmente, Marta Abba.

Investigar a dramaturgia pirandelliana para além do texto, num método de análise que privilegie a cena teatral, é fundamental para o entendimento da dramaturgia pirandelliana hoje.

Em sua dramaturgia, Pirandello não propôs uma solução para a crise da representação que se instalou nos experimentos teatrais que lhe foram contemporâneos, ao contrário, a sua estética é uma estética da crise, e também de acumulação entre diferentes estéticas e formas cênicas plurais, multifacetadas. É no contraste, no choque, entre o metafísico e o realismo que reside sua maior riqueza.

O processo artístico de determinadas encenações contemporâneas dos textos pirandellianos – especialmente dos diretores que encenaram Pirandello de maneira recorrente, como Strehler, Massimo Castri, Patroni Griffi, Luca Ronconi, Anatoli Vassiliev – nos fazem ver como sua obra pode se abrir a novos horizontes estéticos. É na aproximação, e no confronto, entre as diferentes encenações feitas, e refeitas, por esses homens de teatro, que nos foi possível vislumbrar a radioatividade da escritura pirandelliana.

O Projeto se desenvolverá a partir de laboratórios práticos – campo fundamental para o entendimento da cena enquanto lugar crítico/reflexivo privilegiado para o avanço da pesquisa dos estudos cênicos. Nossa prioridade é desenvolver uma perspectiva artística e estética nossa, brasileira, sobre o teatro pirandelliano. É “devorando” sua obra que podemos entender Pirandello. É a partir desta antropofagia que podemos ler Pirandello, e também nos ler.

Maschere Nude foi como Pirandello nomeou suas obras, já nos dando a pista do que ele desejava. Trata-se de uma “comédia sem atores”. Não se trata mais de representar, de atuar, mas de dar a ver o corpo vivido, o corpo que teima em contar, em narrar sua experiência, em transmitir o que se conservou na memoria, independente de explicações ou de comprovação dos fatos.

Luigi Pirandello é um dos autores mais montados em todo o mundo, desde a criação do emblemático “Seis personagens a procura de um autor”, em 1921. Falar em “teatro pirandelliano”, assim, no singular, é um contrassenso, pois nosso dramaturgo vem inspirando tantos encenadores, dramaturgos e atores ao longo dos anos, muito deles com propostas estéticas tão diversas entre si, que é mais apropriado falar em teatros de Pirandello.

Uma dramaturgia construída por relatos de intimidade, extraídos da memória e da experiência dos envolvidos na ação, imprime um esforço de superação da anestesia causada pela exposição contínua de choques do mundo da informação. Tentativas de (re)apropriação da “aura” da narrativa, imprimindo um sentido que vai muito além do simples reflexo de decomposição do mundo.

É a partir desta reflexão que nasce PIRANDELLO CONTEMPORÂNEO, pois tanto a dramaturgia pirandelliana quanto grande parte das experiências contemporâneas – Peter Brook, Jerzy Grotowski, Pina Bausch, Eugenio Barba, Denise Stoklos, Felipe Hirsch – fazem do palco um lugar privilegiado do segredo, das reminiscências, nos tornando cúmplices de uma história que precisa ser contada para não ser esquecida. É uma cena que compartilha com seus espectadores uma pulsão pela vida, ainda que se trate o tempo todo de morte.

O projeto de Extensão Pirandello Contemporâneo é realizado com o apoio do MEC/SESU.