SISTEMA DE VIEWPOINTS

Escrito por Ursula Bahiense. Publicado em cadernos

É A PARTIR DO MOVIMENTO DO CORPO DO PERFORMER, NA SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO E O TEMPO, QUE O PROJETO PIRANDELLO CONTEMPORÂNEO REALIZA SEUS LABORATÓRIOS PRÁTICOS. AQUI UMA PEQUENA INTRODUÇÃO AO MÉTODO PARA SER ESTUDADA E MULTIPLICADA. 

 O SISTEMA

Os Seis Viewpoints

A constituição de todo o trabalho sobre o Viewpoints se encontra no simples ato de permanecer no espaço. Dentro desta perspectiva, os artistas são ensinados a ler e a aprender o léxico da experiência cotidiana: as informações do espaço, a experiência do tempo, a familiaridade com as formas, as qualidades e regras da cinética do movimento, os caminhos da lógica, as histórias que são construídas e os estados do ser e do sentir, as trocas emocionais que constituem a base dos processos de comunicação estabelecidos entre os seres humanos. Estes são os seis elementos denominados “Os Seis Viewpoints” que formam a base para a desconstrução daquilo que conhecemos por “teatro”. Trabalhar diretamente com este material, permite ao artista o aprendizado da performance através de linguagens essenciais e, também, como uma autonomia da inteligência.

Esses elementos, também conhecidos como linguagens perceptuais, podem ser listados em qualquer seqüência. Você pode vê-los listados abaixo em forma de anagrama, SSTEMS, assim como “stems” ou uma estranha maneira de soletrar a palavra sistema. Eu também incluí uma prática para cada um dos elementos, baseadas no livro “The Six Viewpoints Practice Workbook” (Os Seis Viewpoints – Livro de Exercícios).

 S: SPACE (“ESPAÇO”)

Capacidade perceptiva para ver e sentir as relações físicas que se estabelecem.

As pessoas já possuem uma capacidade natural para sentir o espaço. É esta capacidade que torna possível ao ator falar diante do público, através da relação que ele mesmo constrói com o espaço.

Exercício com o Espaço: andar e parar no espaço.

– Exercícios individuais e coletivos.

– O vocabulário do movimento limita-se apenas ao andar e parar.

– Não faça quaisquer movimentos enquanto caminha. Não crie formas com o corpo para além deste simples ato de permanecer no espaço.

– Não ponha o seu foco, neste momento, no ritmo.

– Observe seu corpo em relação à sala em que se encontra e em relação aos outros performers. Todos os trajetos, as composições espaciais e posições farão parte do vocabulário de sua performance. Explore as dimensões do chão, a distância entre as paredes, a distância entre as pessoas. O diálogo com o espaço pode ser estabelecido pela estrita observância destes princípios práticos.

 

S: Shape (“Forma”)

Capacidade de ver e sentir a forma física

 

Exercício da Forma: Forma 1-1 

– Prática em dupla.

– O primeiro performer compõe uma forma com o seu corpo e permanece nela até que seu parceiro construa a dele. Quando a segunda forma for criada, o primeiro performer pode mover seu corpo e elaborar a próxima forma. Este procedimento favorece uma dupla observação: do seu próprio corpo e do seu parceiro. Não se trata, de maneira alguma, de um “diálogo entre formas do corpo”. É um trabalho de observação. A relação entre as formas, neste momento, não é tão importante. O foco deve incidir sobre o olhar. Ao mover seu olhar, os performers devem movimentar também suas cabeças e tomar o tempo necessário para construir uma nova forma a partir da sua visão.

– Uma vez que os performers são capazes de enxergar bem, eles podem então aproveitar o ritmo para se movimentarem com rapidez e sobrepor as ações sem restrições para o ato de se mover e parar.

 

T: Time (“Tempo”)

Habilidade para perceber e experimentar a duração. Sistema criado para regular a duração.

 A principal dificuldade no estudo do tempo enquanto linguagem básica está justamente em conseguir separá-lo das disciplinas que adquirimos com esta linguagem. Os exercícios sobre o tempo, a seguir, foram projetados para que você seja capaz de ultrapassar os caminhos já conhecidos, permitindo que trabalhe em um tempo novamente desconhecido. Há um vasto diálogo na parte que conhecemos sobre o tempo, as suas estruturas, as medições de tempo em horas, minutos, segundos, dias, semanas, etc. Você também encontrará um grande número de ditados conhecidos a respeito do tempo que “colorem” a nossa atitude:

 

– Não há tempo suficiente em um único dia.

– O tempo não espera por ninguém.

– O tempo é tudo.

– O tempo cura tudo.

– O tempo voa quando nos divertimos.

– O tempo está em minhas mãos.

– O tempo certo.

– O tempo errado.

– O tempo é precioso.

 

Exercício: Caminhar, Parar, Consciência do tempo.

– Trabalho individual e coletivo.

– O vocabulário do movimento constitui em andar e parar. E, depois de caminhar e parar, não se deve fazer nenhum tipo de movimento corporal.

– Permanecer com o corpo desarticulado permite que a concentração perdure no tempo. O objetivo deste exercício consiste em focar na duração do tempo ao permanecer com o corpo parado, na duração do tempo da caminhada e a duração do tempo na composição com estes dois elementos.

– Este trabalho deve ser realizado com calma, sem pressa, procurando não forçar nada para que algo de “extraordinário” aconteça. De algum modo estranho, este trabalho se torna mais eficaz se for abordado com uma qualidade quase sensual, sentindo o tempo.

Benefícios:

Aprender a ajustar e a jogar com o tempo expande a capacidade dos atores para enfatizar algo, expressar nuances e manter tudo vivo no palco.

 

E: Emotion (“Emoção”)

Capacidade de perceber e experimentar estados emocionais ou as múltiplas maneiras de ser.

Quando eu reduzi a minha emoção ao seu mínimo denominador comum, eu fiz uma declaração engraçada:

“A emoção é o cão. Cheire o mundo cão.”

Por que as emoções comunicam? Porque nós a seguimos como um superfluido, a atenção sensível. Elas são as nossas ferramentas de sobrevivência, não podemos simplesmente desligá-las. Se você puder observar uma pessoa entrar em uma sala e sair imediatamente, 30 segundos depois, você provavelmente poderia nos dar uma lista bastante precisa de como estavam, ou como eram, as suas emoções. Estável, um pouco inseguro com relação às pessoas, mas confiante em seu trabalho, saudável.

 

Exercício: Trabalhando a presença

– Trabalho individual.

– Coloque uma cadeira no meio do espaço. Peça para que uma pessoa sente na cadeira e observe-a.

– Este trabalho é realizado com uma pessoa de cada vez. O tempo mínimo necessário para que ela permaneça sentada é de cinco minutos. Quanto maior o tempo, mais profunda é a experiência, que pode durar até vinte minutos. Passado este tempo, todos estarão tão exaustos pelo impacto emocional e pela riqueza que esta experiência proporciona que vão perdendo a concentração e, conseqüentemente, a energia.

– O performer deve ser instruído para: respirar normalmente e manter a concentração sobre sua respiração; manter os movimentos naturais dos seus olhos e do seu corpo; permitir que os seus pensamentos fluam normalmente; devem exercitar o olhar, procurar não evitar o olhar dos espectadores nem mesmo manter o olhar constantemente sobre si mesmos, numa atitude defensiva.

– Este exercício consiste em permitir-se ser visto. Você pode se mover no espaço, se desejar. Eu descobri que a cadeira e o ato de sentar nos permite estabelecer a vulnerabilidade e a normalidade para este acontecimento, de uma forma que o ato de caminhar e parar não são capazes de oferecer.

Benefícios: 

O performer se torna capaz de se doar ao público e de apreciar o fato de estar sendo visto. Seu Ser se expande e torna-se mais forte. Ele é capaz de construir uma amizade com o público, que é profunda. É surpreendente como muitos artistas não gostam do público e os temem. Eles têm a necessidade de proteger a si mesmos das pessoas para as quais se apresentam.

 

M: Movement (“Movimento”) 

Capacidade perceptiva para experimentar e identificar através das sensações cinéticas.

Na medida em que você começa a olhar para a voz do movimento, seja muito cauteloso que você não está: a adicionando ritmo exterior; organizando ou formalizando o movimento em formas delineadas.

Exercício: Resposta Cinética / Fazer o que o corpo deseja.

– Trabalho individual

Esta exercício deriva do movimento da sensação.

De pé em um estúdio, traga a sua concentração para as sensações presentes em seu corpo. Permita que o seu corpo se mova a partir das suas sensações. Permita também que ele se mova para criar uma sensação. Permita, ainda, que o diálogo sensorial flua em uma espécie de corrente “lógica” e observe como a lógica cinética está sendo configurada.

Qualéovocabuláriodessassensações?

Benefícios:

Este trabalho não vai ajudar a criar um belo movimento. A prática não é projetada para estimular a invenção do movimento ou a sua criação. Ele é projetado para reforçar a ligação entre sentimento, corpo e ação.

 

S: Story (“História”)

Capacidade perceptiva de ver e entender sistemas lógicos como um arranjo de informações.

Na realidade, estamos constantemente envolvidos em histórias que só entendemos parcialmente e estamos constantemente habituados a racionalizar as nossas ações e as ações dos outros.

História é uma prática fascinante e difícil. História é sobre sistemas lógicos e precisa ser definida e compreendida com muito cuidado, para ser devidamente cumprida. A lógica é uma amante exigente, de tal forma que qualquer erro pode prejudicar o trabalho severamente. Somos muito cuidadosos com as nossas histórias, em parte porque elas são uma ferramenta de sobrevivência básica, em parte porque elas são tão difíceis de mudar e, ainda, tão difíceis de serem compreendidas claramente. Se não pudéssemos contar a história dessas bagas vermelhas que podem deixá-los doentes ou matá-los, quando ingeridas, muitas pessoas não teriam sobrevivido. Em nosso mundo há uma história para tudo, quando conseguimos mudar a história, podemos mudar o mundo em torno de nós. É uma ferramenta poderosa em nossas vidas. Nós queremos saber, nós precisamos saber e o que nós já sabemos nos influencia enormemente naquilo que podemos fazer. Somos todos Sherlock Holmes por natureza.

Exercício Individual: Improvisação em Grupo.

– Aquecimento individual com todos trabalhando ao mesmo tempo. Use a história como uma espécie de prancha de surfe, permita que a história se transforme a qualquer momento, siga em qualquer direção, mude radicalmente o seu trajeto, termina ou evolua. Não segure a história. Pratique deixá-la fluir e acompanhe o seu caminho, ao invés de controlá-la, conduzindo-a a uma progressão já conhecida.

 

Exercício em Grupo: A História do Mundo.

– Cada participante está no controle de toda a história.

– Cada performer deve justificar todas as ações dos outros performers em sua história. Evite entrar em qualquer outra história que não seja a sua. Se você está totalmente confuso ou surpreso ou ficou sem história (sem ter o que contar), preencha o momento com: “e então houve uma pausa”. Ela descansou e olhou em volta. A toalha foi parar no fundo do mar. Durante o tempo que lhe restou, ele tornou-se um plástico bolha. Não invente essas histórias, elas devem entrar em sua mente e tomar corpo por conta própria. Você deve trabalhar para abrir-se para a história, “gafanhoto”. Permita que a sua história mude tantas vezes quanto necessário, não procure manter uma lógica seqüencial ou consistente, mas permaneça dentro de sua história.

Benefício:

Esta prática traz dois pontos fortes para a linguagem da história, da seguinte forma:

  1. a) Desenvolver a independência individual.
  2. b) Promover a capacidade de trabalhar num ambiente de história multidimensional.

Um performer que pega carona na história do outro performer é fraco no palco e achata a atmosfera e a mensagem que é transmitida ao público.

 O estudo dos Viewpoints requer o desprendimento dos conceitos tradicionais de teatro. Este processo não é um bicho de sete cabeças. Isso não significa abandonar a história linear, narrativa, mas, simplesmente, acrescentar uma mudança de perspectiva. A experiência de mergulhar no trabalho com os Viewspoints é completamente diferente do treinamento do teatro tradicional. Ao invés de começar com a idéia de “fazer teatro”, esta abordagem procura manter o “teatro” distante. Para realizar esta tarefa, é necessário praticar a desconstrução ou separar o todo em suas partes essenciais. O conjunto é dividido em seus elementos básicos e suas linguagens. Esta atividade deve ser feita com muito cuidado e respeito para com o todo. É essencial saber onde se encontram as suas costuras e junções para que este desmembramento seja feito com clareza. Caso contrário, os elementos e as suas linguagens podem ser arruinados, impossibilitando a sua utilização em sua integridade. É como tirar uma camisa e rebentá-la pelas costuras e não simplesmente cortá-la arbitrariamente. Quando o espaço é reconhecido e identificado com clareza, o artista pode iniciar um diálogo com suas linguagens e interagir com ele, observando-o e explorando-o.

Aos longo dos anos de investigação, fundada na articulação desses materiais, emergiu, então, a filosofia do pós-modernismo, ao lado de novas perspectivas e revelações: a essência da comunicação, a natureza do aprendizado, a natureza da estrutura social, a natureza do discurso e a natureza da negociação. A interação com essas questões de fundo se une à esta teoria em um discurso sobre a sociedade e a existência, cumprindo, como uma verdadeira teoria artística deve fazer, uma prestação de contas de sua visão.

Este trabalho não tem uma idéia pré-concebida do que o teatro é, como ele deve ser criado, qual mensagem ele deve comunicar ou de que maneira ele deve fazê-lo. Ao entrar neste universo, o artista descobre como ele pode adquirir o domínio sobre o palco, ancorado em sua própria realidade, livre das opiniões alheias de como se deve “fazer teatro”. De acordo com esta perspectiva, o artista é desafiado a tornar-se o seu próprio guia, a disciplinar-se para manter o seu foco e a desenvolver a habilidade de criar uma nova perspectiva. Alcançar esta meta requer um tipo de treinamento físico focado no corpo e em todos os seus detalhes. Isso também requer que o corpo e a mente sejam educados para exercerem as suas devidas funções. Um treinamento profundo, de base, tais como o trabalho de Alexander, Centralização do Corpo e da Mente, Contato Improvisação, o trabalho desenvolvido por Allen Wayne, o trabalho de chão de Hamilton educam o instrumento corporal em sua profundidade, para além dos padrões de cultura e de movimento. Este tipo de abordagem é fundamental na medida em que se desenvolve a disponibilidade de perceber, em vez de produzir.

 A simplicidade do Viewpoints é baseada em um contato com os elementos básicos. Esta abordagem alinha-se com as práticas orientais que dependem de como aluno procura encontrar sua a própria verdade, como parte do entendimento que abrange toda a vida. Neste trabalho não há professor, não tem autoridade para pronunciar conquista ou fracasso, além do entendimento de que qualquer parte é uma parte do todo.

 As implicações deste evento chamado Viewpoints, a disciplina rigorosa e única que requer, o sistema filosófico que ele cria, a humildade e força que transmite, a sabedoria, conselhos, a abertura que ela gera – o que facilita a negociação em sua atitude -, a igualdade que ensina, a alegria de participar de um todo maior, o profundo alívio por você não ser obrigado a escolher, mas convidado a participar, a promessa e a certeza de que você está contribuindo apenas por estar presente no diálogo deixaram claro para muitas pessoas por que alguém iria querer saber esta perspectiva sobre teatro.

(Tradução Úrsula Bahiense; Abril de 2013)

[1] O texto original se encontra no site http://www.sixviewpoints.com Tradução para o português de Ursula Bahiense. Todos os direitos reservados

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